A Separação
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É sempre chato abrir texto com uma citação um tanto grande. Mas faça o esforço e continue lendo. Este é o discurso de Asghar Farhadi, diretor, roteirista e produtor do excepcional filme iraniano A Separação, ao receber o Oscar de Filme Estrangeiro em 2012.
“Neste momento, muitos iranianos por todo o mundo estão nos assistindo e eu imagino que estejam muito felizes. Estão felizes não só pelo importante prêmio de um filme ou realizador, mas porque, em um momento em que palavras sobre guerra, intimidação e agressão são trocadas entre políticos, o nome de seu país é falado pela sua gloriosa cultura, sua rica e antiga cultura que vem sendo escondida debaixo da poeira densa da política. Eu tenho o orgulho de oferecer este prêmio à população do meu país, às pessoas que respeitam todas as culturas e civilizações e desprezam a hostilidade e o ressentimento”.
É isso que A Separação faz. Mostra a cultura do Irã sem se ater à política. É, sim, uma crítica ferrenha ao governo opressor iraniano, mas é também, acima de tudo, um roteiro de altíssima qualidade, com uma história encadeada e construída de maneira primorosa. A crítica ao governo opressor do Irã está lá, mas não clara. O que aparece em primeiro plano é a cultura de um país que poucos realmente conhecem.
Se no Oscar o discurso de Asghar Farhadi falou de seu povo, no Globo de Ouro (também ganhou como Filme Estrangeiro; no Festival de Berlim levou três Ursos, fato inédito até então, incluindo o de ouro) o caminho não poderia ser diferente. Em voz baixa, disse que, subindo ao palco, pensara se deveria mencionar seus pais, sua mulher, suas filhas, sua equipe. Mas resolvera falar apenas dos iranianos. “O Irã é um país de pessoas que amam a paz”, disse simplesmente.
Estas pessoas que amam a paz estão representadas pelo casal Simin e Nader (Leila Hatami e Peyman Moadi). Na primeira cena ambos estão sentados de frente para a câmera – que ocupa o lugar do juiz que os ouve. Simin, a mulher, quer emigrar e tirar do Irã Termeh (Sarina Farhadi, filha do diretor), a filha de 11 anos. Seu marido, Nader, se nega a ir porque seu pai (Ali-Asghar Shahbazi, soberbo) está com Alzheimer e precisa dele. Solução: o casal se divorciará, e assim a mulher poderá viajar sozinha. Mas, na hora de dizer ao juiz que concorda que a menina vá junto, o marido nega.
Ora, seu marido é um egoísta, indica Termeh. Sua obrigação é deixar a filha ir, pois, subentendesse, estão no Irã, com sua opressão ao povo, especialmente às mulheres. Qual será o futuro desta menina? Mas aí entra a coragem que por toda a obra irá aparecer. Nader é, sobretudo, um corajoso e enfrenta tudo sem pestanejar. Ir para outro país seria fugir. E ele não foge dos problemas.
Bom… estamos só na primeira cena! A história do casal irá ser ainda mais atribulada com a chegada de Razieh (Sareh Bayat), uma empregada doméstica que passa a ajudar Nader com seu pai quando Simin sai do lar. Ela começa no emprego sem seu marido, Hodjat (Shahab Hosseini), saber. Ele não aprovaria sua esposa trabalhando na casa de um homem sem esposa. E tocar um senhor com Alzheimer (que precisa de cuidados por urinar nas calças, por exemplo)? O marido não pode saber.
A empregada Razieh não conta a Nader que está grávida, e é possível que, com tanto pano por cima dela (das roupas típicas), ele não tenha percebido. Assim, quando patrão e empregada têm um grave desentendimento e ele a empurra porta afora, o inferno desaba sobre todos os personagens.
Daí para diante, o filme é um redemoinho, uma tensão só, daquelas de não tirar o olhos da tela. Nader, além de corajoso, é justo. E faz questão de manter a mente aberta: incentiva a filha a não baixar a cabeça para a opressão, não abandona o pai, tem caráter. Mas ele é totalmente não falha? A resposta é do juíz na primeira cena, o espectador.
Que fique claro. O filme é simples. Os ideais mostrados e defendidos pelo longa acabam sendo muito mais fortes do que se víssemos em cena passeatas de protesto ou discussões teológicas.
A história poderia acontecer a qualquer um. Mas estamos no Irã, onde os julgamentos são a jato e um juiz é quase um semi-Deus. Diferenças sociais e religiosas são postas sob um foco nítido. Na verdade, quase nítido. A censura iraniana deixou passar o filme, que só por lá fez 3 milhões de espectadores.
Orgulho masculino, submissão feminina, a conduta do sistema judicial numa teocracia, os pontos de vista de vizinhos e professores, jovens e velhos – não há tema que o diretor Farhadi não aborde e vire do avesso. E tudo, repito, de uma maneira simples, corriqueira, que pega o espectador sem alarde.
O filme possui algumas cenas arrebatadoras. Uma, em especial, ficou em minha mente. É um bom exemplo para quem ainda não assistiu. Simin tenta convencer seu marido Nader a mudar de país, afirmando que seu pai, com Alzheimer, nem sabe que ele é filho dele. “Mas eu sei que ele é meu pai”, responde o Nader.
E vem o silêncio.
A Separação / Jodaeiye Nader az Simin
CLASSIFICAÇÃO: PARE TUDO E VÁ VER!
Ficha técnica:
Duração: 123 min.
Ano: 2011
Direção: Asghar Farhadi
Roteiro: Asghar Farhadi
Produção: Asghar Farhadi
Elenco: Peyman Moadi, Leila Hatami, Sareh Bayat, Sarina Farhadi, Shahab Hosseini, Ali-Asghar Shahbazi e Babak Karimi
Assisti à época do Oscar, quando começou o buzz em relação a ele. Quase dormi. Personagens sem empatia alguma, uma infestação de gente detestável por metro quadrado…